A noite de um pedinte



Fazia frio, recheava-me a pele e cobria-a de gelo. A chuva não parava, caía e caía... Eu, sentada junto ao ramo da árvore observava aquele cenário. Contava os meus últimos cêntimos, por assim dizendo. Encontrava-me numa rotunda, lugar estranho, sei, mas era assim, no meio da cidade de Nova Iorque.
Quando os carros vinham na minha direcção, cegavam-me os olhos com as luzes, que, tão fortes e juntamente comas outras, ofuscavam todas as árvores localizadas à mina volta.
As viaturas passavam quase sem parar com os para brisas ligados e com os vidros bem fechados. Olhavam, rapidamente para mim, abanavam a cabeça e seguiam, olhando em frente.
Com o passar das horas, o movimento foi diminuindo, como estava previsto. Sentada, com as mãos nos bolsos do casaco velho e roto via as horas através de um relógio que encontrei, ao acaso, no lixo e o arranjei com pequenos remendos aqui e ali.
Eram 23:32h. Eram poucos os carros que passavam. De resto, quando as viaturas não aparecia, a escuridão que se criava com a ausência de movimento e luz, cobria a vasta marca do meio da cidade. Uma carrinha, avistei ao longe. Via mal, pois tinha de estar permanentemente a limpar a vista por causa das grossas gotículas que caíam. Com a roupa encharcada, levantei-me, olhei em meu redor: os enormes arranha céus, cobertos de luz escondiam juntamente com o som citadino as estrelas longínquas na imensão do céu negro.
Comecei a sentir-me observada.
A carrinha branca, que não contrastava com o ambiente e cor nocturna, seguia lento. Parou na passadeira, e permaneceu imóvel durante o sinal vermelho, verde, amarelo... nada não se mexia nem exercia qualquer tipo de movimento. Abria-se a porta do lado do condutor, hum homem alto, espadaudo e robusto saira de lá. Vestido de preto e bem encasacado mexia-se com um andar veloz. Trazia um saco de plástico na mão. Segurando o chapéu de chuva o seu andar indicava-se na minha direcção.
-Boa noite, vem. -disse-me com entoação.
Olhei-o de alto a baixo sem recear.
-Não quero esmolas.- respondi-lhe num tom frio e desprezivo.
-Vá, aceite. - disse-me soltando um sorriso amigo.
Afinal era um homem.
-Eu não quero que morra.- dizia-me com uma calma que me assustava profundamente. -venha comigo até à carrinha. Vamos para o centro.
não lhe respondi, direccionei-me para a carrinha, com um enorme vontade de comer, lembrando-me dos dois dias em que quase nada me vinha ao estômago.
-Vamos?
-Pois sim.
O ar de dentro da carrinha era muito mais acolhedor e protegia-me e aliviava-me de espirros e asso-os. Ele puxava conversa, mas estava tão atenta à vida exterior que nada lhe dizia. Via, através das vitrinas das lojas, das janelas das casas as famílias reunidas a ingerir quilos e quilos de comida e a abrir dezenas de presentes.
Não tenho nada, comparei-me.
Não se via ninguém longas ruas e arrojadas da praceta, apenas alguns como eu, homens, mulheres e crianças dos restos e bocados dos possuidores de hegemonia.
Viramos e passamos a última rua. Parámos aos semáforos, lá está. Saímos do veículo e entrei. Tudo estava enfeitado com luzes e com longas fitas de mil e uma cores. Haviam longas mesas cobertas de conhecidos meus. Juntei.me a eles após me servir do caldo. Antes de iniciar a refeição, que para mim era mais que desejada, olhei para todos com camaradagem. Repetiram o meu gesto e comecei a comer.
Isto continua a ser uma verdade permanente e pendente de todos nós. è o privilégio de muitos e a tristeza de outros. Não é foleirada, é a vergonha de isto ainda acontecer.

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    As tuas historias fazem-me imaginar o que escreves. Fez me imaginar a noite de um pedinte, desse pedinte .
    Esta uma historia muito bonita :D

    Podias era editar um livro , tens ai historias muito bonitas :D
    Anónimo said...
    Continua. Os melhores esse e o da casa (:
    Anónimo said...
    ainda é assim, infelizmente.

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